sábado, 13 de novembro de 2010

A tua dor, a minha dor.


Feito febre, baixava às vezes nele aquela sensação de que nada daria jamais certo, que todos os esforços seriam para sempre inúteis, e coisa nenhuma de alguma forma se modificaria.
E além da certeza, a premonição de um futuro onde não haveria o menor esboço de uma espécie qualquer não sabia se de esperança, fé, alegria, mas certamente qualquer coisa assim.

Eram dias parados, aqueles. Por mais que se movimentasse em gestos cotidianos - acordar, comer, caminhar, dormir, dentro dele algo permanecia imóvel.

Ela estava tão dentro dele quanto ele dentro Dela. Intrincados, a ponto de um tornar-se ao mesmo tempo fundo e superfície do outro. Amenizava-se às vezes no decorrer do dia, nuvens que se dissipam, turvo de água clareando até o cair da noite surpreendê-lo nítido, passado a limpo, passado a ferro. Então sorria, dava telefonemas, cantava ou ia ao cinema. Mas em outras vezes adensava-se feito céu cada vez mais escuro, turvo agitado subindo do fundo, vidro bafejado. Sem dormir, fosforescia entre os lençóis ouvindo os ruídos da madrugada chegarem como abafados por uma grossa camada de algodão. A Grande Falta crepitava em chamas dentro dele.
 
Alguma coisa que jamais teria, e tão consciente estava dessa para sempre ausência que, por paradoxal que pareça, era completo nesse estado de carência plena. Isso acontecia apenas quando dentro Dela, pois ao desembarcar, em vez de sorrir ou fazer coisas, freqüentemente limitava-se a chorar penoso como se apenas a dor fosse capaz de devolvê-lo ao estágio anterior.
No intervalo da ausência, distraía-se em chamá-la também, entre susto e fascínio, de A Grande Indiferença, ou A Grande Ausência, ou A Grande Partida, ou A Grande, ou A, ou. Na tentativa ou esperança, quem saberia, de conseguindo nomeá-la conseguir também controlá-la.

Não conseguiu.
Então Ele desimportou-se com aquilo.Então Ela fingiu se esquecer. Tomados a intervalos pelo anônimo, atravessou a tarde, varou a noite, entrou madrugada adentro para encontrar a manhã seguinte, e outra tarde, e outra noite ainda, e nova madrugada, e assim por diante. Durante anos.

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